quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Microconto - A menina curiosa

A menina curiosa

A algazarra continuava, Marta não sabia para onde correr, sua casava cheirava festa, queria apenas um minuto de sossego.

Decidiu procurar uma biblioteca, mas onde iria encontrar uma biblioteca aberta a esta hora? Lembrou daquele velho estranho do 81 que usava roupas velhas e um óculos de sol tão preto quanto aquela noite sem estrelas e luar, triste para os amantes, feliz para os suicidas.

Entrou no elevador e apertou o oito! "É agora, vou descobrir o que um homem tão solitário faz." Apertou a campainha e ouviu silêncio, mais uma vez e mais silêncio, tentou de novo, desta vez percebeu o silêncio percorrer o hall, subir as escadas e absorver o barulho da festa que ela fugira. 

Segundos após, passos quase que mudos aproximavam da menina, escutava-se o tilintar de uma chave, a maçaneta girava lentamente,  e a porta se abria.

O velho apareceu:

- Boa noite, o que faz aqui?
- Oi, gostaria de saber se o senhor tem uma vela para o parabéns? - disse a menina, encantada com o seu raciocionio rápido
- Sim, entre! Me siga até a cozinha.

A casa do velho era nova, via-se um iMac e um iPhone na mesa, uma TV de Plasma tão grande que a menina não saberia dizer o tamanho. Ao lado da TV um porta-retrato quebrado com uma foto de um jovem e uma mulher, provavelmente o velho e sua esposa, morta em 1967 em um assalto no shopping barra. A guria não se conteve e perguntou:

- Quem é a moça da foto?
- É a mãe da minha filha, a avó dos meus netos, a tia dos meus sobrinhos. Foi meu amor e fugiu com outro. Inventei sua morte para poupar-me da verdade. Hoje antes de você tocar eu iria me matar. Aproveito que você está aqui e morramos nós.

Dois tiros! Duas vidas! No mundo, menos um velho triste e menos uma menina curiosa! Ela conseguiu o sossego e ele conseguiu a paz.


*** Escrito pelo autor em 10/02/2012.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Hino do Galo - Se Houver uma camisa branca e preta pendurada no varal... - Roberto Drummond

Deixo aqui o poema "Atlético" de Roberto Drummond.

Atlético
Por Roberto Drummond

"Se Houver uma camisa branca e preta pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento.
Ah, o que é ser atleticano?
É uma doença?
Doidivana paixão?
Uma religião pagã?
Benção dos céus?
É a sorte grande?
O primeiro e único mandamento do atleticano é ser fiel e
Amar o Galo sobre todas as coisas.
Daí que a bandeira atleticana cheira a tudo neste mundo.
Cheira ao suor da mulher amada.
Cheira a lágrimas.
Cheira a grito de gol.
Cheira a dor.
Cheira a festa e a alegria.
Cheira até mesmo a perfume francês.
Só não cheira a naftalina, pois nunca conhece o fundo do baú, trêmula ao vento.
A gente muda de tudo na vida.
Muda de cidade.
Muda de roupa.
Muda de partido político.
Muda de religião.
Muda de costume.
Até de amor a gente muda.
A gente só não muda de time, quando ele é uma tatuagem com as iniciais C.A.M., do Clube Atlético Mineiro, Gravado no coração.
É um amor cego e tem a cegueira da paixão.
Já vi o atleticano agir diante do clube amado com o desespero e a fúria dos apaixonados.
Já vi atleticano rasgar a carteira de sócio do clube e jurar:
—Nunca mais torço pelo Galo!
Já vi atleticano falar assim, mas, logo em seguida, eu o vi catar os pedaços da carteira rasgada e colar, como os Amantes fazem com o retrato da amada.
Que mistério tem o Atlético que às vezes parece que ele é gente?
Que a gente o associa às pessoas da família (pai, mãe, irmão, filho, tio, prima)?
Que a gente confunde com a alegria que vem da mulher amada?
Que mistério tem o Atlético que a gene confunde com uma religião?
Que a gente sente vontade de rezar "Ave Atlético, cheio de Graça?"
Que a gente o invoca como só invoca um santo de fé?
Que mistério tem o Atlético que, à simples presença de sua camisa branca e preta, um milagre se opera?
Que tudo se alegra à passagem de sua bandeira?
Que tudo se transfigura num mar branco e preto?"